Por Michelangelo Torres*
O que está em curso no Brasil é uma ofensiva reacionária e a promoção de desmonte de novo tipo na educação pública: o novo PNLD como tentativa de implementação do “novo ensino médio”. Desde o golpe jurídico-parlamentar de 2015/2016, com aprofundamento nas eleições de 2018 que elegeram um governo de coalizão de extrema-direita encabeçado por uma ala neofascista, nos últimos anos, a tragédia educacional brasileira tem combinado políticas públicas educacionais orientadas pelo obscurantismo/fundamentalismo com o processo de empresariamento e privatismo na educação.
Em outras ocasiões já tivemos a oportunidade de analisar a Reforma do Ensino Médio[1], bem como a BNCC e o PNLD em sua primeira fase vinculados ao “novo ensino médio”[2]. Neste artigo de intervenção, procuraremos expressar uma breve análise da fase 2 do PNLD 2021 do Ensino Médio, a partir do acúmulo de debates promovidos pela Frente Nacional por um PNLD Democrático[3].
O PNLD é o programa nacional para preparo e difusão de material didático, pedagógico e literário para as escolas públicas de educação básica, em todos seus segmentos: educação infantil, ensino fundamental (dos anos iniciais aos anos finais) e ensino médio. Em nossa compreensão, no entanto, o PNLD não se trata apenas da escolha do material didático e, desta forma, não pode ser uma consulta burocrática de preenchimento ao questionário digital, mas fruto de amplo debate e reflexão pedagógica. O PNLD é a ponta do iceberg para a aplicabilidade direta no “chão da escola” do novo ensino médio e das competências e habilidades da BNCC.
O novo PNLD de Bolsonaro para o ensino médio está previsto para ocorrer em cinco etapas: Objeto 1: projetos integradores e projetos de vida; Objeto 2: obras por áreas do conhecimento e didáticas específicas que substituem as disciplinas curriculares; objeto 3: Formação continuada; Objeto 4: recursos digitais; Objeto 5: Obras literárias.
Atualmente está em curso a segunda fase do PNLD para o ensino médio. Consideramos que o chamado OBJETO 2 – obras por área do conhecimento em substituição às disciplinas básicas – deve ser compreendido a partir da política nacional estruturante em um contexto de desmonte da educação pública e democrática, orientando o preparo de materiais didáticos e do currículo escolar alinhados à BNCC e à Reforma do Ensino Médio, as quais combatemos.
O PNLD 2021 dilui o conhecimento escolar pelas chamadas “habilidades e competências” de mercado, reorganizando a lógica do currículo por áreas que têm por foco aligeirar o ensino e, apesar de se propor integrador, destitui qualquer concepção pedagógica interdisciplinar autêntica. A ênfase está em livros de projetos que substituem componentes curriculares, ancorados em projetos integradores e projetos de vida reduzidos às competências da BNCC, cujas áreas do conhecimento, adequadas ao novo ensino médio, substituem as disciplinas específicas, conforme observamos nas obras do objeto 2.
Por vezes, o programa empresarial de diluição das disciplinas curriculares, em contexto de desmonte, apresenta-se maquiado como a defesa da escola pública e da ideologia da integração curricular, sendo, inclusive encampado por docentes entusiastas do progressismo, mas ludibriados pelo “canto da sereia”. Trata-se do fogo amigo, do assujeitamento e de um processo docente subjetivamente adaptado.
As estratégias educacionais ganham importância vital na difusão dos conteúdos, habilidades e valores ligados a um modelo de sociabilidade de mercado (interesses práticos imediatos) adaptado às exigências da flexibilização do trabalho (reestruturação produtiva, reforma trabalhista, desemprego estrutural e precarização das relações profissionais). Para os professores, pretende-se produzir um processo docente subjetivamente adaptado e acrítico (estratégias de disseminação e cooptação); para os estudantes, procura-se promover o aligeiramento do ensino e a adaptação de um novo perfil docente flexível para o mercado de trabalho precarizado. Acirra-se, de tal modo, o velho dualismo estrutural na educação brasileira: uma formação precária na rede pública para os filhos da classe trabalhadora e um preparo privado voltado para o ensino superior para os filhos das classes dominantes e das classes médias.
Faz-se necessária a exigência de uma nova condução desse processo a partir do diálogo com nossas comunidades escolares e não mediante imposições que visam precarizar e privatizar a educação pública. Reivindicamos o conceito de criticidade transformadora da sociedade e a urgência de se popularizar a defesa do ensino público, gratuito, laico, de qualidade e socialmente referenciado. O momento exige a mais ampla frente das entidades educacionais, sindicais e estudantis democráticas a fim de se reconstruir um novo marco regulatório para o edital do PNLD, revendo-se o processo de seleção e produção das obras didáticas. Tal Frente deverá batalhar pela revogação da Reforma do Ensino Médio (inicialmente expedida por medida provisória de Michel Temer, posteriormente tornando-se lei) e a BNCC bolsonarista.
O que pretendem as forças do mercado é eliminar o direito à educação e convertê-la a forma-mercadoria. Diante do exposto, orientamos que os/as docentes das redes estaduais, municipais e federal realizem a discussão em suas unidades educacionais de modo conjunto, e não fragmentado por área.
Entre os dias 13/julho e 11/agosto deste ano, as Direções de Ensino precisam acessar o sistema e cancelar adesão, não escolhendo nenhuma das obras por área do conhecimento relativas a segunda fase do PNLD. A justificativa pode ser bem simples: o campus ou escola construirá seu projeto político-pedagógico juntamente com a comunidade escolar. Seu material didático deverá contemplar as exigências pedagógicas e de ensino da juventude brasileira e da escola pública. Para tanto, exigimos um novo marco regulatório para um novo edital do PNLD. Deixaremos de lado quaisquer diferenças políticas para atuarmos em conjunto. Exigimos uma nova condução desse processo em consonância com o diálogo democrático com nossas comunidades escolares e não mediante imposição decorrida da adaptação do Ensino Médio à BNCC que o precariza e privatiza a educação pública. Por isso, a luta em defesa da educação pública é a mesma luta pelo Fora Bolsonaro. A luta em defesa das liberdades democráticas e dos serviços públicos se confunde com a luta pelo Fora Bolsonaro e seu governo de conjunto. Por toda a nossa necessidade de resistência, nos organizarmos é um imperativo.
NÃO ao objeto 2 do PNLD-2021!
Por um PNLD democrático!
*Professor do IFRJ, membro da direção nacional do SINASEFE (Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica) e coordenador da Frente Nacional por um PNLD Democrático.
Notas:
[1] A Reforma do Ensino Médio em perspectiva didática: o desmonte da educação. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2016/11/06/a-reforma-do-ensino-medio-em-perspectiva-didatica-o-desmonte-da-educacao/;
[2] A tragédia da educação básica brasileira no contexto de desmonte: BNCC, PNLD e Reforma do Ensino Médio. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2021/04/10/a-tragedia-da-educacao-basica-brasileira-no-contexto-de-desmonte-bncc-pnld-e-reforma-do-ensino-medio/;
[3] A Carta Manifesto da Frente Nacional por um PNLD Democrático, de março deste ano, pode ser lida aqui: https://esquerdaonline.com.br/2021/03/16/carta-manifesto-por-uma-frente-nacional-em-defesa-do-pnld-2021-democratico/.
MArtha Regina Pessoa Cortes Dian diz
O objeto 2 é o “Escola sem partido” levada a cabo.