Sem vacinação completa, professor da Rede Estadual morre de COVID-19

José Lúcio Nascimento Júnior tinha apenas 36 anos. Professor de sociologia e história, trabalhava no Colégio Estadual Graciliano Ramos, na Pavuna, Rio de Janeiro, e também no CIEP 179 Professor Cláudio Gama, em São João de Meriti. Foi docente do curso de Arquitetura da UNISUAM e prestava serviços como consultor de temas históricos para a Record TV.

Por Ricardo Malagori, para o Sepe Lagos.

No último domingo (1), mais um profissional da educação morreu vítima da COVID-19. José Lúcio Nascimento Júnior deu entrada no Hospital da Unimed Rio, na Barra da Tijuca, por volta das 19h da sexta-feira (30). Ele sentia fortes sintomas da doença, sobretudo falta de ar. Após a realização de exames, os médicos que o atenderam constataram que a saturação de José estava baixa e que mais de 50% de seus pulmões estavam comprometidos pelo coronavírus. Porém, ele só conseguiu internação por volta da meia-noite de domingo (1). Morreu pouco tempo depois, durante a madrugada.

Descaso com a vida

Quando José Lúcio chegou ao hospital sua saturação de oxigênio no sangue era de 90%, um patamar preocupante. A maioria dos protocolos de cuidados com o manuseio de pacientes com COVID-19 indicam cuidados intensivos em casos de saturação inferior a 95%. Apesar disso, a Unimed, plano de saúde de José Lúcio, durante quase 24h se negou a internar o professor em um leito de UTI. A empresa alegava que os serviços não poderiam ser prestados pois o plano ainda estaria em período de carência. A família de José só conseguiu a internação por força de uma liminar deferida pela justiça em favor do professor por volta da meia-noite de domingo.

Ao longo do sábado (31), a saturação de José piorou bastante, chegando a 85%, segundo relato de sua esposa Patrícia Nascimento. A esta altura ele já não conseguia falar. A família foi informada de que seria necessário transferi-lo para uma outra unidade hospitalar da Unimed, especializada em tratamento da COVID-19. Porém, isso não chegou a ocorrer.

Na manhã do domingo (1), a esposa de José, acompanhada da mãe do professor, Glória Belitardo, receberam no hospital a notícia de que o quadro clínico do paciente havia piorado muito durante a madrugada, o que resultou numa parada cardíaca. A equipe médica informou que, além da entubação, todos os procedimentos de Reanimação Cardiopulmonar (RCP) foram tentados por vários minutos, porém não foi possível evitar o óbito.

Vacinação incompleta

Em maio deste ano José Lúcio comemorou em sua conta no Instagram quando finalmente recebeu a primeira dose da vacina. “Primeira dose tomada: virando lagartixa. Na segunda, viro Jacaré. Viva o SUS!”, declarou o professor. Foto: perfil de José Lúcio no Instagram.

A vacinação dos profissionais da educação só foi iniciada tardiamente, devido à escandalosa atuação do Governo Federal contra a aquisição de vacinas. Tal como a esmagadora maioria dos profissionais da Rede Estadual, no período anterior ao recesso escolar, José chegou a trabalhar presencialmente sem ter recebido as duas doses da vacina. Ele pôde apenas iniciar a imunização com a primeira dose da substância desenvolvida pela Oxford-AstraZeneca. Se tivesse sobrevivido à doença, José só receberia a segunda dose no dia 14 de agosto.

Uma carreira promissora encerrada pela omissão criminosa do poder público

Historiador, pedagogo e sociólogo, José Lúcio era professor de história e sociologia do Colégio Estadual Graciliano Ramos, na Pavuna, bairro da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Também lecionava, em regime de GLP (Gratificação por Lotação Prioritária), no CIEP 179 Professor Cláudio Gama, localizado em São João de Meriti, município da Região Metropolitana.

José Lúcio foi coautor do livro “Coronavírus e as Cidades no Brasil: Reflexões Durante a Pandemia”, publicado pela editora Outras Letras. Nele, o historiador e sociólogo escreveu o capítulo “Isolamento Social, Sim; Intelectual, Não: Reflexões em Tempos de Pandemia”. Foto: perfil de José Lúcio no Instagram.

Mestre e doutorando em história pela UERJ, José trilhava uma reconhecida e premiada carreira acadêmica. Foi membro do Laboratório Redes de Poder e Relações Culturais (REDES-UERJ), da Comunidade de Estudos de Teoria da História (COMUM-UERJ) e do Grupo de Pesquisa em Trabalho-Educação e Educação Ambiental (GPTEEA-IFRJ).

O professor apresentou trabalhos em diversos eventos e congressos relevantes em sua área de pesquisa. Prestava regularmente consultoria sobre temas históricos para produtores de telenovelas da Record TV, por meio de sua empresa, a Oráculo Consultoria em História. Trabalhou em diversas instituições públicas e privadas. Atuava como docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UNISUAM (Centro Universitário Augusto Motta), lecionando — devido à pandemia, em regime de ensino remoto — a disciplina de Teoria e História da Arquitetura. 

José também lecionava sobre conhecimentos pedagógicos em vários cursos preparatórios de concursos para docentes e mantinha um canal no YouTube com inúmeros vídeos de conteúdo educacional.

Recentemente, no início deste ano, José foi ganhador do prêmio de melhor dissertação de mestrado em História da Historiografia Brasileira, na última rodada de premiações da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH), sendo muito elogiado por suas contribuições neste tema.

Dor, saudade e revolta

José Lúcio acompanhado de sua esposa, também professora, Patrícia Nascimento. Foto: Arquivo Pessoal.

A esposa de José Lúcio, Patrícia Nascimento, é bióloga e também atua como professora na Rede Estadual. Ela lamenta o sofrimento pelo qual viu o marido passar nestes pouco mais de 2 dias transcorridos entre o momento em que José Lúcio foi levado ao hospital e o seu falecimento. “Me revolta muito o descaso dos governos com os nossos sistemas educacional e de saúde… a recusa do plano de saúde em atender meu marido numa situação tão grave, o negacionismo das autoridades públicas e essa situação inaceitável de escassez de vacinas. Não fosse por isso, a morte do meu marido poderia ter sido evitada”, afirmou em entrevista por telefone.

Nas redes sociais, vários colegas de trabalho e ex-alunos de José Lúcio manifestaram seu pesar. A equipe diretiva do Colégio Estadual Graciliano Ramos publicou, em nota no Facebook:

“Zé Lúcio era um ser humano excepcional, um colega de trabalho ímpar, muito estimado por todos pelo seu carisma, sua inteligência e seu jeito, sempre prestativo, sempre pronto a ajudar quem precisasse, fosse aluno, professores, e direção. Garantimos que ele viverá nas memórias e nos corações de cada integrante da comunidade escolar do CE Graciliano Ramos. Por isso, reforçamos: usem máscara. Mesmo com vacina, COVID-19 ainda mata!”.

José Lúcio ao lado de seus familiares. Da esquerda para a direita: Nataskia Keher (cunhada), Danilo Miranda (irmão), Glória Belitardo (mãe), Daniele Miranda (irmã), José Lúcio (pai) e Patrícia Nascimento (esposa). Foto: arquivo pessoal.

O Governo do Estado, a Seeduc-RJ, e as prefeituras municipais do Rio de Janeiro e de São João de Meriti não se manifestaram publicamente sobre o falecimento precoce do professor José Lúcio.

Em defesa da saúde e da vida, contra a perseguição aos que lutam

A Rede Estadual está em Greve Pela Vida desde o final de janeiro deste ano reivindicando condições adequadas de segurança sanitária, infraestrutura, protocolos sanitários rígidos e alinhados à ciência, fornecimento de EPIs apropriados aos trabalhadores da educação — principalmente as máscaras PFF2 — e políticas públicas efetivas para o controle da situação epidemiológica.

Porém, o Governo Cláudio Castro além de não atender a estas demandas está impondo uma implacável perseguição política contra os trabalhadores, com cortes de ponto, descontos salariais e ameaças de processos administrativos.

Na avaliação da direção do Sepe Lagos, o caso do professor José Lúcio é emblemático pois ele era um profissional muito jovem. Sua morte prematura evidencia que os trabalhadores da educação, bem como os demais integrantes das comunidades escolares, incluindo as crianças, adolescentes e jovens adultos, correm grave risco com o retorno à presencialidade. O sindicato luta pela completa imunização dos educadores e pela ampla vacinação da comunidade.

Neste momento, a entidade defende que é preciso que os governos retomem e ampliem as medidas restritivas para prevenção de contágios frente ao perigo representado pela rápida disseminação da variante Delta, que é muito mais transmissível e que tem acometido de maneira muito preocupante pessoas de menor faixa-etária.

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Comentários

  1. Revoltante !! muito revoltante , uma carreira de dedicação a formação ceifada pela falta de apreço a vida de nossos governantes ( de todos os níveis ) desde aqueles no Ministeriao da Saúde que não compararam vacina a tempo ate os que mandam para sala de aula colegas em condições precarias.Ainda a mercantilização da saúde mostra sua fase mais cruel Unimed negociando com a vida do colega se iria ou não para UTI. Minha solidaredade a familia, muito triste perder alguém que poderia ter sido salvo com um mínimo de humanidade.

  2. Trágico, perdemos um amigo, perdemos um professor, perdemos mais um brasileiro entre as já quase 560 mil vítimas do vírus e do desgoverno que assolam o nosso País. Precisamos parar o Verme que nos desgoverna, devemos isso ao Prof. José Lúcio e a todas as vitimas e suas famílias.

  3. Uma tristeza sem fim. Uma revolta gigantesca pelo descaso que ele e muitos vem sendo tratado, angustiante. Para sempre sentiremos muitas saudades!

  4. Triste isso. Um país governado por um negacionista e genocida, que tem diversos parceiros a frente de governos de estados e prefeituras. Aqui no estado do Rio, Claudio Castro é um deles, negacionista e genocida, ajudado pela imprensa burguesa que teima em dar um ar de normalidade a realidade, em plena pandemia e com variante nova na área. Tóquio hoje, com medidas restritivas bem maiores que a totalidade do Brasil, registrou novo recorde de contaminados hoje. Infelizmente em plena pandemia somos obrigados a tomar às ruas pelo Fora Bolso e Mourão e todos os seus seguidores, como Claudio Castro. Cuidem-se todxs e as ruas, dia 11 (dia do esudante), dia 18 (Greve do Funcionalismo Público das três esferas contra a Reforma administrativa) e dia 07.09, no Dia dos Excluídos. Fora Bolsonaro, Mourão e toda a sua quadrilha de milicianos e militares.

    • Um sobrinho de coração enorme sentiremos muito a sua falta, essa perda absurda uma dor sem tamanho, eu como tia só tenho que agradecer obrigada por tudo.

  5. É um absurdo toda essa situação com vidas que estamos vivendo. Professor José Lúcio era uma pessoa admirável que tinha um vida e uma carreira brilhante pela frente mas foi interrompida por um governo corrupto e um plano de saúde que só se preocupa com o dinheiro.

    • Pessoa inteligente, esforçado, brilhante cheio de sonhos e perder tudo por causa dessa Covid -19 . Saudades e muita tristeza. Descanse em paz meu sobrinho lindo e maravilhoso. Agora só resta GRATIDÃO GRATIDÃO GRATIDÃO

  6. Inacreditável! Ele foi um dos melhores professores que tive no Curso de ARQUITETURA E URBANISMO! Estou chocada. Meus sentimentos aos familiares e amigos!

  7. Infelizmente mais um caso triste onde senti muito a perda desse meu amigo a Covid tbm levou meu pai e meu padrasto quem a Covid não afetou nesse últimos tempos?
    Tenho um filho que já está na escola uma preocupação e se ele contrair de novo e se eu perder ele o único filho que eu tenho.
    Conheço familia que perdeu 5 pessoas da familia.
    E aí ta tudo bem é sérios isso???Aceleração da vacina e os professores tem que ter direito a EPIS e trabalhar com dignidade.
    Se tivesse vacinado todos antes já iniciado não ter tido essa burocracia toda muitas gente teria sobrevivido.
    Perdi uma referência perdi um amigo perdi um irmão.
    Luto In Memória José Lucio Jr
    Lenny Souza

  8. A educação está em luto, uma perda irreparável. Que saudades sentirei do meu amado cunhado que sempre me inspirou e que me incentivou a ser professora. Hoje, sou professora do Pedro II graças a ele, graças ao cursinho preparatório que fiz com ele e sua esposa. Pra sempre grata, pra sempre amarei você.

  9. Realmente é revoltante, que por descaso, desgoverno, indiferença, se perde um jovem iminente,vitorioso,educador e muito querido por seus alunos, familiares e ex professores. Só nos resta a saudade e a tristeza!

  10. Que tristeza!
    Assim como o José Lúcio, muitos colegas estão voltando para a sala de aula enquanto que o governo não dá o mínimo de condições de trabalho. A história de Lúcio deveria estar nos telejornais para alertar do perigo que tantos profissionais de educação estão correndo e da ausência e descaso do poder público para o que vem acontecendo.

  11. Revoltante e angustiante! Diante desse negacionismo do nosso país perdemos uma pessoa admirável! Mais um profissional de educação que perdemos para esse vírus 🦠 por conta da negligência dos governantes 😞!

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