“Não embruteçam”: o que professores diriam a colegas novatos

Docentes ouvidos pela DW contam por que resistem diante de desafios como falta de valorização e fraquezas do sistema educacional.

“Trabalhamos com amor, e não por amor. Você encontrará motivos para voltar, apesar de todo dia querer desistir.” Essa foi a resposta de Beatriz Valéria de Lima, professora de Biologia há seis anos, à questão: “O que você diria para um professor que está no início da carreira?” A mesma pergunta foi feita a outros 51 docentes das cinco regiões do país, e esta coluna sintetiza o que eles disseram.

“Não podemos mentir, é uma profissão desafiadora”

Todos os professores ouvidos fizeram questão de ser bastante realistas em relação à atuação de um professor no Brasil nos dias de hoje.

“Se for por amor, siga firme em sua escolha profissional. Caso seja por reconhecimento, social ou financeiro, não alimente falsas expectativas. Afinal, ser um profissional da educação é, também, passar pelas mazelas da desvalorização social e financeira”, disse Néia Gava, professora há dez anos.

Para além da desvalorização, Raul Anderson, que também atua há uma década como professor, no Amapá, aponta haver desafios diante da necessidade de adaptação a diferentes perfis de alunos e da pressão por resultados.

“Que tenha paciência, pois a experiência vai nos ensinando a lidar com o dia a dia em sala de aula, já que é muito comum nos surpreendemos, seja com a história ou condição social dos alunos ou com as fraquezas do sistema educacional”, recomenda aos novatos Janisson Fernandes, professor de Física e Matemática há 15 anos, no Sergipe.

Alexandra, professora de história há 16 anos na rede amazonense, dá um valioso conselho: “Que tenha realmente certeza do que está fazendo e se prepare. Pois a realidade é bem diferente do que pintam na academia.”

Por que resistir?

Os desafios são muitos, mas milhares de professores resistem na profissão, e, para a maioria, a motivação é a preocupação genuína com os estudantes.

Amanda da Costa, professora de Matemática há quatro anos no Pará, diz: “É importante lembrar que, apesar dos desafios, esta é uma carreira transformadora. A educação tem o poder de impactar vidas e comunidades, e o professor desempenha um papel fundamental nesse processo. É uma profissão que exige dedicação, paciência e constante aprendizado, mas que também oferece grandes recompensas emocionais ao vermos o crescimento e o sucesso dos alunos.”

Para Raul Anderson, do Amapá, apesar das dificuldades, o saldo é positivo: “As vantagens são enormes: a oportunidade de impactar vidas e moldar o futuro e o aprendizado constante que essa profissão proporciona. Além disso, a conexão que você forma com os alunos pode ser uma das experiências mais enriquecedoras da sua vida. Mantenha a paixão pela educação e busque sempre seu desenvolvimento pessoal e profissional.”

Guilherme Lima, professor de História há seis anos no estado de São Paulo, tem uma visão semelhante: “Entre o desinteresse e o desrespeito de alguns e a desvalorização social e econômica de outros, a esperança de fazer a diferença na vida de alguns poucos brilha firme e forte, ofuscando a maioria dos problemas. Com isso, quero dizer que, apesar de tudo, o lado bom de ser professor é tão bom que, sinceramente, compensa o esforço.”

Como agir na profissão?

“Não embruteça”, aconselha a professora Érica Fernanda, atuante há 14 anos na disciplina de Sociologia. Achei a frase muito potente. Eu mesmo, autor desta coluna, visitei inúmeras escolas de vários estados do país, e sempre faço questão de falar com os professores. Já vi incontáveis casos de docentes que diziam simplesmente não estar mais tão motivados e animados quanto no início. É uma grande pena, mas compreensível dado o contexto. Acredito que o importante é se lembrar das razões que fizeram com que a decisão de ser professor fosse tomada.

Jonas Gabriel, também professor de Sociologia, na rede catarinense, aconselha a um novato: “Que a vontade criativa e a perspectiva de defesa da educação pública sejam o norte a te motivar.”

Maria Vitória, professora na rede de Sergipe, corrobora a fala do Jonas e acrescenta: “Existem conflitos, obstáculos e relações de poder em qualquer lugar. Sendo professor, a diferença é o seu comprometimento com a educação. Não perca o viés revolucionário que adquirimos na graduação. Lutaremos por nós e por tantos estudantes que passarão por nós.”

No contexto das consequências psicológicas que advêm dos desafios da profissão, Patrícia Cristina, professora de Biologia há 32 anos na rede carioca, oferece um importante conselho: “Faça terapia durante sua vida profissional escolar e tenha muito amor à profissão.”

Para concluir esta coluna, trago a fala da professora Ana Carla, atuante há 13 anos. Ela, sabiamente, reforça aos novatos a importância de se manterem atualizados e ativos: “Eu daria alguns conselhos, como estudar muito, nunca parar, ser professor pesquisador, professor inquieto, professor que pense em projetos, que saiba trabalhar coletivamente. Só mudaremos nossa carreira se entendermos que o trabalho coletivo e conjunto pode garantir qualidade em nossa profissão. Não se isolem, não parem e jamais se resignem.”

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Este texto foi escrito por Vinícius de Andrade para o portal Deutsche Welle (DW) Brasil. Acesse aqui a publicação original.

A foto que ilustra esse texto, intitulada “Em defesa da Democracia”, é de autoria de Fábio Motta para a sucursal do Rio de Janeiro do jornal O Estado de S. Paulo. Foi premiada na 11ª edição do Prêmio Líbero Badaró de Jornalismo, da Câmara Municipal de São Paulo. Retrata a brutal repressão à greve dos profissionais da educação do Rio de Janeiro em 2013.

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